sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

egos tamanhos



Observo a maré e reparo que se encontra agora no ponto alto da sua amplitude. Mais além, um bidão vermelho que bóia ao som das ondas atreve-se a distrair-me o olhar mas o avanço das águas do mar depressa volta a resgatar a minha atenção. Pode parecer-te ridículo e sem o mínimo de sentido mas… o cenário remete-me para um sentimento familiar. Para o tempo em que te empenhavas na auto evidenciação e de como isso resultava num rodear da minha realidade com a tua presença activa. Sim… tu eras hostil, e de tanto o ser já não o fazias com maldade, era essa a tua natureza… jamais conceberias a possibilidade de permanecer anónima na acção do texto das nossas vidas e eu… eu era aquele mísero rochedo que daqui se vê. Apesar de belo, cheio de formas sugestivas e pleno de curiosos minerais que normalmente suscitaria a adoração de outros e representaria o suporte à sua vaidade, era agora envolvido e ofuscado pelas ondas agitadas de uma vida alheia.

Sabes, o que mais me chateia é que, de facto, tudo isto passava ao lado da capacidade de observação das outras vidas, mas eu não sabia disso!

Vejo ali um pescador… espera… um reformado e uma senhora deprimida situam-se mais acima. Noto que todos eles se dão conta da realidade. Todos observam a obsessão invasora do mar e a resultante interferência com a identidade da pequena grande pedra. Todos sabem menos ele, o rochedo, porque se revela incapaz de olhar para fora do turbilhão e por isso, o seu estado é tal que se aproxima vertiginosamente da situação de fastígio à sua condição de lástima.

E eu era este rochedo… Belo, cheio, rico e abrangente e, no entanto, ofuscado por ti e vulnerável à tua capacidade de transformar a mais trivial das situações que vivesses num acontecimento inédito para mim. A culpa, sendo tua, não seguia escrupulosamente a condição de exclusividade. A verdade é que jamais me incitei à coragem de te estender ao comprido sobre a passadeira da realidade, dava trabalho e era indubitável o consequente desenrolar da acção para o plano dramático e apocalíptico uma vez mais servido em doses generosas de potencialização resultantes da tua inevitabilidade egocêntrica.

Esse tempo é passado… Já não sou o mísero rochedo banhado pelas tuas marés. Agora sou mais eu… sou um molhe imponente, pleno de personalidade e alvo de admiração alheia perceptível à minha vaidade. Tu continuas igual mas… as escalas são incomparáveis!


José Eduardo


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