sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Pais que lutam

Isaías não tem ainda idade para perceber as coisas da vida, mas vive-as, como qualquer criança da sua idade, vive-as intensamente.
Acordou cedo, o pai havia ja saído para o trabalho na doca. Isaías não sabe se havia mesmo trabalho, ouviu nos dias anteriores falar em greve, não sabe o que isso é, mas a convivencia da palavra com a expressão "luta dos trabalhadores" fazia-o depreender que o momento não era bom, e preferia que o pai ficasse em casa.
Isaías havia-se ja habituado a perceber que era mau sinal quando o pai não ia trabalhar. "Não há trabalho para mim", dizia o pai em tom conformado à mae no dia anterior após mais um telefonema... O dia que se seguia era um misto sentimentos contraditórios. Era o Pai quem o acordava, tarde, para levar à escola ou, algumas vezes, para nem à escola ir. Eram esses os dias que Isaías gostava, os dias em que passavam o tempo todo juntos, jogavam à bola no campo do bairro ao lado e o Pai lembrava o artilheiro do Benfica cujas alegrias dadas o tinham levado a entregar o nome ao próprio filho. Eram umas boas horas de diversão, que logo davam lugar a outras, em que Isaías sentia o pai ainda mais distante do que se tivesse ido trabalhar. Isaías sentia que esses dias, sem trabalho, feriam de morte a dignidade do pai e, a cada um, o sentia mais distante. Isaías sentia-se culpado por, na sua condição de criança, querer sempre o pai em casa.
Nesse dia o pai não estava, por isso acordara cedo. A Mãe vestia-o e, excecionalmente, não havia colocado a TV no canal para criancas. Ainda que o tenha pedido, percebeu que o "tem calma" que recebeu da mãe escondia algo mais. Percebeu melhor ainda quando a mãe o mandou calar enquanto enfiava a fralda da camisola interior por dentro das calcas e em resposta a uma qualquer observação que fizera... Olhou melhor... Aquilo não lhe era estranho... Aquelas roupas de trabalho... Sim, eram iguais às do Pai. Isaías não sabia ler mas distinguia as mesmas letras pela mesma ordem nas costas daquele casaco fluorescente que aprendeu a admirar. Era mesmo o trabalho do pai... Polícia? Com máscaras e escudos? Trabalhadores sentados no chao? Câmaras de televisão e jornalistas? Gente que gritava palavras de ordem que não conseguia ouvir e... O Pai!!!! "Mãe!!! Eu vi o pai!!!!" 
"Cala-te e deixa ouvir", foi a resposta que ouviu ao mesmo tempo que descortinou uma lágrima que a mae não conseguiu conter. Percebeu então que aquilo era grave. Se a mãe respondia daquela forma, aquilo tinha de ser grave
Que estariam ali a fazer os polícias? Ouviu falar em navio fantasma, os trabalhadores num autocarro, muita gente a ver... Ia jurar que o patrão do pai tinha presenteado os trabalhadores mais fiéis com uma aventura, mas... A Mãe estava séria! Os polícias tinham cara de maus, só podiam ser maus, se estavam, como lhe parecia, contra o Pai, eram de certeza maus! 
Isaías não entende... A Mãe percebe a confusão que vai na cabeça do menino e diz-lhe que deve ter orgulho no Pai que está ali na televisão a lutar por um futuro melhor para si.
Isaías é criança, e não entende, ja não gosta de polícias, se estão contra o seu Pai que só precisa de trabalho e tempo consigo, então não gosta de policias... Isaías não entende, mas acredita na mãe. Há-de contar aos amigos, na escola, que o seu pai passou na TV em posição brava, lutando por um futuro melhor. Soa-lhe bem, é o que chega para amar ainda mais o seu pai!


domingo, 3 de junho de 2018

Rotundo vocábulo

Nasceu querendo ser poeta, mas fizeram dele arquiteto!
Do estirador só lhe saíam rotundas!

quarta-feira, 21 de março de 2018

abaixo o castelo ao capital

a mágoa de querer e não poder
angústia por de mim não depender
porque tenho de passar por isso,
porque tenho de sofrer?

O desgosto de ver o tempo a passar
e a felicidade que teima em não entrar
quando sorrirão os meus,
quando será que isto vai acabar?

não lamento ter de lutar pela existência
não choro o remeter-me à sobrevivência
mas doi... se doi...
subjugar-me à prepotência!

Acabe-se pois com a diferença
e distruibua-se por igual
decrete-se a abolição da tença
e toque o seu a cada qual

Arre!

Erga-se o trabalhador
erga-se quem produz
grite o explorado produtor
acenda-se pois a luz
do proletário e pensador
e faça-se a revolução...
Obrigue-se o burguês
a dividir o quinhão
acabe-se com aquilo que está mal
deite-se já abaixo
o castelo ao capital!