segunda-feira, 25 de abril de 2016

25 de Abril, sempre?

nos dias de ontem
era tudo cinzento
e a palavra estava caída
como uma folha sem vida
num dia sem vento

nos dias de ontem
a coragem não vinha
e a boca fechava
e o olhar retornava
em direção à bainha

nos dias de ontem
não morava a esperança
ninguém decidia
e jamais ousaria
iniciar a dança

até que se fez hoje
e um grupo seleto
tocou a reunir
e ousou decidir
debaixo de um teto

e nos dias de hoje
porque alguém assim quis
o povo à rua saiu
levantou a cabeça e sorriu
e chegou-se a mostarda ao nariz

nos dias de hoje
liberto da opressão
o povo dançou
celebrou, gritou
o povo passou a dizer não

até que ainda mais hoje
porque o povo ficou cansado
o dono cá disto tudo
eterno senhor barrigudo
apoderou-se de novo do estado

e agora que é ainda mais hoje
a sociedade, em abdução
já não gosta de estar alerta
senão do vizinho à espreita
o povo... deixou de dizer NÃO!

José Eduardo


quinta-feira, 7 de abril de 2016

a bestificação

(...) Nos dias santificados, dormia-se até quase às dez horas da manhã; depois a gente séria e casada vestia o seu melhor fato e ia à missa, censurando aos novos a sua indiferença em matéria religiosa. Ao regressarem da igreja, comiam tortas de massa, e deitavam-se de novo até à tarde.
A fadiga acumulada durante longos anos tirava o apetite; para poderem comer, era preciso beberem muito, excitarem o estômago preguiçoso com a ardência do álcool.
Pela tarde, passeavam indolentemente pelas ruas; os que possuíam capas de borracha punham-nas, ainda que o tempo estivesse seco; os que tinham um guarda-chuva, com ele saíam, ainda que fizesse sol. Não é dado a toda a gente possuir um impermeável ou um guarda-chuva, mas cada qual ambiciona superiorizar-se ao seu vizinho, seja de que maneira for.
Quando se formavam grupos, conversava-se acerca da fábrica, das máquinas, dizia-se mal dos contra-mestres. As palavras e os pensamentos não se referiam a mais do que a coisas relacionadas ao trabalho. A inteligência desastrada e impotente lançava apenas umas centelhas isoladas, um ténue clarão na monotonia dos dias. Ao voltarem para casa os maridos buscavam questões para discutirem com as mulheres, batendo-lhes muitas vezes, sem pouparem as suas forças. Os novos ficavam na taverna ou organizavam pequenas reuniões em casa dum ou doutro, tocavam harmónio, cantavam canções estúpidas e ignóbeis, dançavam, contavam histórias obscenas e bebiam em excesso. Extenuados pelo trabalho, estes homens embriagavam-se facilmente, e em cada peito desenvolvia-se uma excitação doentia, incompreensível que precisava de encontrar saída. Então, pelo mais fútil pretexto, atiravam-se uns aos outros como animais selvagens. Havia contendas sangrentas. (...)