Em vias de incrementar o esforço por voltar à escrita... Na verdade, gostava de terminar este projeto! Fica aqui um cheirinho!!!
(...)
João, filho de lavradores, gostava
de Aida…
João era um rapaz crescido e, por
toda a sua vivência, havia já experimentado gostar de muitas raparigas. Porém,
desde há uns tempos que achava diferente o sentimento que dedicava àquela
pequena que, ainda há pouco, deixara de ser criança.
Não havia dia que passasse sem que
João se convencesse a si mesmo de que aquele não era um gostar qualquer, era
especial… Era um gostar que lhe apertava a garganta a cada vez que a via no
quintal ao passar para as várzeas… Era um gostar que fazia com que sentisse
ciúme de todos aqueles marmanjos que rondavam a azenha da várzea em adulação
aos atributos físicos da pequena… Era um gostar que o levava a adorar a beleza
angelical inerente à idade da pequena e não tanto a opulência do seu peito… Era
um gostar que o fazia ter mais gosto no
cultivo das várzeas do que das Searas, esquisito num agricultor exemplar…
Era um gostar… um gostar especial
que João tinha a certeza ser o único homem, no mundo, a sentir… Era um gostar
que doía, e doía cada vez mais por pensar que a garota nem o olhava, ainda que,
a cada vez que passava, se empenhasse num cumprimento de voz trémula a que ela
respondia seca e aparentemente sem interesse.
João era filho único e os pais,
lavradores desenrascados, sonhavam grande futuro para o rapaz. Talvez por isso
o tenham mandado para o Seminário Conciliar de S. Pedro e S. Paulo, em Braga,
de influência Jesuíta que lhe viria a proporcionar uma riqueza cultural
invejável mas que João, incompreensivelmente, apenas revelava nas noites de
embriaguês coletiva da taberna do adro. Porém, para grande pesar de seus pais,
João fora apanhado no flagrante dado a uma investida organizada pela maior
parte dos seminaristas a uma casa boémia em Dume, execrável maldição para a
terra de Martinho da Panóia, esse santo bispo vindo da Hungria para doutrinar o
povo minhoto, que a Igreja decretou santo e cujo epitáfio sepulcral
autorredigido costumava ser perversamente adulterado em cânticos de bebedeira
pelos seminaristas que acorriam à casa boémia de dume. Muitos contaram também,
ainda que o autor nunca tal tenha visto e como tal não possa garantir, que havia
sido desenvolvida pelos alunos do seminário maior uma versão de “Pro
Repellenda Iactantia”1, essa obra primeira do santo da
Panóia que defendia a supressão da bazófia fundada por leis de moral, versão
essa que, adquirindo título de encadernação à socapa, gozava honras de
catecismo junto dos alunos do seminário menor, o da Nossa Senhora da Conceição.
Assim, João, que estes caminhos e
os outros conhecia de cor, viria a ser apanhado na hora da rusga encomendada,
não a beber o vinho tinto em taças transbordantes como todos os outros, nem a
cantarolar ofensas à cobarde fuga dos bispos bracarenses para Lugo durante a
invasão muçulmana, em versos de rima duvidosa que alguns dominavam. Como
sempre, era a petulante Joana que o chamava à casa de Dume, que tinha o
descaramento de usar um majestoso crucifixo sobre a oponência do peito
generosamente descoberto. Nessa noite de suposta ida ao cinema, João seria apanhado
de surpresa sobre o suculento corpo da Joana enquanto esta se empenhava em
veemências de queixume acerca da generosidade do rapaz no que a tamanho se
refere. Este íntimo pormenor de ocasião havia de passar entre os guardas,
ganhando legitimamente o epíteto de boca de caserna até, por particularidades
de relacionamentos familiares ou camaradagem entre os membros de ambos os
lados, chegar aos corredores do dormitório do seminário Conciliar e
entranhar-se em João, complementando-lhe para toda a vida o nome próprio com
que havia sido batizado em S. Julião.
Deixemo-nos de bisbilhotices –
que curiosidade do leitor aguça o vício do autor – e passemos à narração da sucessão
de acontecimentos a partir daqui. Curiosamente – ou talvez não, pelo cedo que
era – João sería o único a ser apanhado com a boca na botija, estranha metáfora
que, nem eufémica ou disfémica, levará o leitor a sentenciar a ligeireza do autor por óbvia
constatação de que talvez todos, à exceção de João, estariam, àquela hora, a
usar a boca, veículo único conhecido para receber o tal néctar dos deuses ou
sangue do diabo, conforme o variar da perspectiva, e o coitado do rapaz, por lhe
ter faltado a paciência ou ter-se rendido à líbido juvenil, estaria já
empenhando outra ferramenta que não a cavidade bucal.
Ponhamos a perversidade de parte
para explicar que, perante a particularidade da contagem e atribuição de culpa
ou pecado, fácil terá sido por se tratar de um único rapaz, para a reitoria do
seminário, aplicar exemplar castigo e aviso aos demais. Chamados os pais a
Braga, sequiosos de pranto estes bispos, não foram sequer capazes de esconder
ao humilde casal o verdadeiro motivo do castigo. Valeu ao rapaz ter um pai
compreensivo e pouco amante desta gente que teima em vestir saias e dar a mão a
beijar. O Velhote apenas queria ver o rapaz formado, não o queria ver padre.
Não deixou de passar ao filho o solene raspanete mas acordou com a esposa que o
assunto morreria ali e jamais a aldeia haveria de descobrir que não foi a
consciência do rapaz a ditar que não serviria condignamente os preceitos da
santidade e inerente desistência do estudo. Já não se sabe é como a
“nobiliária” alcunha chegou chegou à terra, a verdade é que João grande seria
para sempre, em S.Julião como em Braga, ainda que na primeira se desconhecesse
o real motivo e ignorantemente se
presumisse inerente à estatura do moço.
E foi assim
que João Grande passou ao lado de uma vida diferente. Espiritual e
espirituosamente rico, o rapaz agora homem optou por se dedicar a alegremente
sorver a pacatez da aldeia e a desenvolver a cultura das terras dos pais com
sagacidade mas sem inovação.
E assim, pacato era também o amor
que dedicava à pequena de seios fartos que crescia por entre os paúis junto ao
rio. Não raras vezes a viu refrescar-se nas frias águas que rodeavam a azenha,
isenta de pudores por se julgar só, e dava por si a recriminar a imaginação que
lhe sugeria parecenças com Joana, a moça libertina da casa de Dume. Não, Aida
era pura, era jovem, seria certamente virgem e carinhosa por inerência da
idade. Aida era linda, mas não era sua.
(...)
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