quarta-feira, 23 de março de 2011

jasmim



Acordou de madrugada,
ainda o sol não se via,
com um aperto no peito,
o gesto sem jeito...
Quem sabe por nada,
talvez pelo dia!
.
O pacto de sangue outrora seguro
corria-lhe nas veias em palpitação.
O barulho das gralhas na ameixoeira grande
era prenúncio de morte ou evidencia de "sande".
A visão por cima do muro
foi facada no coração!
.
O corpo lavado à moda antiga
no alguidar encostado ao lume,
a evidência do envelhecimento
batia em qualquer olhar menos atento,
a vida deixara de lhe ser amiga
provocando dor e azedume...
.
Em acto de desespero,
correndo pela avenida,
rosto aflito e amargo de boca,
diz quem viu que estava louca,
expressão de enterro,
num dia de festa e investida.
.
Foi direta ao poço da vila,
aí chegada não hesitou:
Sua vida findou alí,
não por mão alheia, mas por sí.
Fitou o fundo de água e argila,
feriu os pulsos e se atirou!
.
Ora, ele... Recém chegado,
envolto em aura de boa nova,
quis saber de sua amada...
Mas como?! Estava já casada?!
Esqueceu tudo o que haviam acordado?
O pacto de sangue? Oh Deus! Restava-lhe a cova!
.
Pela porta da taverna e atravessando a praça
os cães o seguiram a correr
em direcção à azenha velha...
No balcão ficara a botelha
alheia à futura desgraça,
alheia àquela pressa de morrer!
.
E foi assim que a romaria
para sempre à tragedia ficou associada.
Contada de avós para netos,
de ratos para insetos,
O pacto de sangue travado um dia
acabou em dois enterros de uma assentada.


José Eduardo
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Resumo da fragância "Jasmim", no romance "O perfumista" de Joaquim Mestre


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